ENERGIAS E ESTADOS
Bem vindes ao nosso terceiro post!!
O assunto de hoje segue sendo o corpo, formas de encará-lo, senti-lo, experienciá-lo.
Se no último post nosso objetivo foi visualizar/descobrir possibilidades de movimento a partir de cada parte isolada, hoje buscaremos novas formas de se mover a partir de uma visão integrada desse corpo, unindo a mente a impulsos internos (ou seja, estados corporais) para explorar possibilidades de movimento.
Não são poucos os estudos sobre as energias e estados corporais. O próprio Rudolf Laban (1879-1958) dedica boa parte dos seus estudos buscando descrever o “esforço” característico de cada movimento, referindo-se aos impulsos internos a partir dos quais se origina o movimento (NICOLINO, 2015, p. 17). Ele não é o único a teorizar sobre tais impulsos, Hubert Godard também aborda os fenômenos internos, ou anteriores, dos movimentos: o “pré-movimento”; e V. E. Meyerhold (1874-1940), por sua vez, lapida os contextos ao aplicar o conceito de “pré-interpretação”.
Reconhecida a interferência dos estados internos na movimentação, métodos de acessá-los (seja para ter mais controle das ações quanto para se familiarizar com o descontrole) se popularizam. No ocidente, têm destaque o Método de Alexander, voltado à re-educação psicofísica, trabalhando a consciência corporal para evitar o emprego de energia desnecessária na realização de ações cotidianas, ou seja, evitar tensões que prejudiquem e interfiram no nosso desempenho. Seu uso recai principalmente sobre a reeducação postural, mas pode trazer resultados muito interessantes para músicos, bailarinos, atores e demais performers, reduzindo vícios posturais e tensões corporais.
Enquanto F. M. Alexander (1896-1955) volta seus estudos ao melhor uso de energia, sem desperdiçá-la, Arthur Lessac (1909-2011) teoriza sobre as características com as quais essas energias se apresentam, como reconhecer padrões e utilizá-los na criação de personagens e no improviso teatral. A teoria começa reconhecendo dois ambientes que constituem o palco da ação humana: o externo (tudo que está fora do corpo do indivíduo) e o interno (o organismo individual de cada pessoa, onde as ideias e sentimentos formam-se em sinergia). A partir disso, descreve como, a partir dos cinco sentidos, nos damos conta da interação entre as informações externas e as internas, percebendo as sensações produzidas a partir dos estímulos externos. Então, configura três padrões de energias internas resultantes: Bouyancy (caracterizado pelo sentimento de leveza, fluidez e suavidade), Radiancy (sentimento de vibração leve, atenção e agilidade) e Potency (a potência muscular atingida no auge de um bocejo, sentimento de alta voltagem muscular). Há um quarto estado energético, o Inter-Involvement, responsável por articular essas energias conforme a necessidade do corpo e da situação (basicamente, responsável pela coerência das nossas intensidades).
Os exercícios propostos por Lessac exercitam nossa capacidade de identificar os mecanismos da integração corpo-mente, buscando utilizá-los na criação teatral. No oriente, o Butô têm princípios que também trabalham essa consciência sobre a influência da mente no corpo e vice-versa. Para além de uma dança, o Butô é uma filosofia, um modo de ver o mundo e seus efeitos em cada um. Seus objetivos são conhecer o corpo integralmente, explorando todas as potencialidades nele disponíveis, ou seja, tomar consciência de estados menos conhecidos pela nossa mente e como nosso corpo reage sob seus efeitos. Essa tomada de consciência ocorre pelo corpo, assim, as práticas se desenvolvem em duas etapas: o relaxamento e o movimento. Enquanto a primeira busca o reconhecimento de tensões e suas consequentes reações, a segunda parte de movimentos (às vezes repetitivos) para acessar diferentes estados mentais, e, por consequência, corporais; assim, explora movimentações cujos impulsos vêm do inconsciente.
EXERCÍCIO
Proposta
A proposta prática para hoje busca, assim como as práticas citadas, é descobrir reações (movimentos) do corpo frente a estados corporais, emocionais, sentimentos, energias — tendo em vista um entendimento de um corpo integrado (relação corpo-mente).
A metodologia utilizada para a concepção da prática busca suas fontes no yoga, na respiração artística, trabalhada para o desenvolvimento expressivo de artistas, e na hiperventilação. Diferente da respiração do nosso dia a dia, constante e tranquila, a respiração artística passa por uma série de controles, mudanças e alterações de acordo com o ritmo e o contexto (MI, 2010. p. 26). Já a hiperventilação consiste numa perturbação repentina no equilíbrio entre nosso consumo de oxigênio e liberação de dióxido de carbono: uma vez que se começa a respirar muito rapidamente, ocorre uma rápida redução no nível de dióxido de carbono no corpo.
Assim como a prática anterior, o objetivo é instigar a percepção sobre o corpo a partir de um ponto de partida diferente. Portanto, os resultados vão ser diferentes pra cada um, desde a forma até a relação de com o tempo. Conhecer o corpo é processo, é gradual, e se equivale à entrega de cada um.
Materiais necessários:
seu corpitxo
algo que reproduza som (alto-falantes, o computador, celular, etc…)*
um espaço mínimo (os deslocamentos se adaptam a ele, então não precisa de um salão enorme e vazio ;)**
papel higiênico***
* Rola fone de ouvido também, mas aí de preferência bluetooth, pra não atrapalhar a movimentação.
** Não precisa ser grande, mas é importante que cada um se sinta confortável pra prática. Afinal, quando se fala em conhecer o corpo a partir da nossa parte sensorial, o resultado é proporcional à entrega de cada um. Quando mais abstrair do ambiente pra focar nas sensações do corpo, melhor.
*** Pra quem, como eu, sofre de rinite, é possível que o nariz venha a escorrer, mas nada perigoso.
BIBLIOGRAFIA
Para esse post, a bibliografia pesquisada foi:
Técnica de Alexander - site oficial. http://www.tecnicadealexander.com/index.php
Arthur Lessac: um ensaio sobre as energias corporais no treinamento do ator, artigo por Maria Regina Torcchetto de OLIVEIRA, 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rbep/v3n2/2237-2660-rbep-3-02-00582.pdf
Algumas absorções do yoga como pedagogia nas artes cênicas, artigo por Joana WILDHAGEN e Marília Vieira SOARES, 2014. Disponível em: https://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/abrace/article/view/2101
A Butoh Dance Method for Psychosomatic Exploration, artigo de Toshiharu KASAI, 1999. Disponível em: http://www.ne.jp/asahi/butoh/itto/method/butoh-method.pdf
Dancer in the Dark - post sobre a filosofia do Butoh - https://www.japan-experience.com/to-know/understanding-japan/butoh
Respiração Artística na Dança: uma Experiência de Criação e Análise de Algumas Danças Étnicas Chinesas, dissertação de mestrado de Zou MI, 2010. Disponível em: https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/8619/1/2010_ZouMi.pdf
Estados corporais: catalisadores de experiência na criação em dança, dissertação de mestrado de Caronila Nicolino MINOZZI, 2015. Disponível em: http://www.repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/285325/1/Minozzi_CarolinaNicolino_M.pdf
Respiração na Dança, artigo de Flávia Pilla do VALLE, publicado na Revista da Fundarte, Ano IV, v. 4, n. 8, 2004.
Para ir além:
A Técnica de Alexander: aprendendo a usar seu corpo para obter a energia total, de Sarah BAKER, publicado pela Editora Summus.
Instituto Lessac - Site (em inglês) - https://www.lessacinstitute.org/publications#!/
Butoh - http://www.butoh.com.br/taxon/dancabutoh.html - há diversas referências de livros publicados em português sobre a filosofia e suas práticas.
Os Estados Tônicos como Fundamento dos Estados Corporais em Diálogo com um Processo criativo em Dança, artigo de Carolina Dias LARANJEIRA, 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-26602015000300596&lng=en&nrm=iso
Contribuições Cruzadas sobre “técnicas corporais” e “expressão de emoções”, artigo publicado pela PUC-Rio. Disponível em: https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/10102/10102_6.PDF
A Análise do Movimento - algumas noções segundo Hubert Godard, artigo de Joana R. da Silva TAVARES, 2012. Disponível em: https://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/abrace/article/view/2316